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sábado, 19 de janeiro de 2013

Cena Urbana 4

Saindo do trabalho, eis que vejo um senhor pegando o lixo da empresa onde trabalho, e sem perguntar nada ele diz: "Aqui vocês dão lixo bom, tem bastante papel e papel higiênico! Sabia que papel higiênico dá mais dinheiro do que as outras coisas?". Respondo com sorriso que não sabia. Ele fala: "É eles valorizam bem mais!".
Caminho até sair de frente do portão da empresa, e lá está a Kombi dele, cheia de lixos ou melhor, cheia de trabalho.
Ele volta carregando mais um saco e diz, sem eu perguntar nada mais uma vez:
-Eu gosto da Record, ela fala bem a língua da gente. Minha mulher não perde o Balanço, quando tá pra começar já vai aumentando o som. Ela gosta bastante. Lá onde moro, no Oziel, o pessoal todo tá na Record, vai passando assim nas casas, e tá tudo na Record. A Record fala a língua da gente, no jornal mostra nosso povo, entrando lá nos nossos bairros, a gente entende. A Globo, ihhhhh, a Globo é pros milionários, só quer saber de mostrar coisas pros ricos. Não vão lá no meio da gente. Só interessa os que tem dinheiro. Mas eu gosto bastante da Record viu? Não perco nada!"
Eu, sem muito o que dizer, sorrio e respondo: "Obrigada, que bom que o senhor gosta da gente!"

Fatos que facilitam o entendimento do contexto: trabalho numa emissora afiliada da Record, logo o senhor percebeu que eu trabalhava lá pois estava com o crachá e tinha acabado de sair do prédio. O Oziel pode ser considerado um bairro, mas na verdade é uma área invadida que junto com o Monte Cristo formam uma das maiores favelas da américa latina. Balanço é um programa local que vai atrás dos problemas do povão, mostra bastante casos policiais também.

Esse acontecido me fez refletir algumas coisas. Uma delas é o fato desses coletores de lixo entenderem de sustentabilidade tanto quanto um cara doutorado no assunto. Não foi só pela fala desse senhor que cheguei nesse pensamento, mas pela obviedade de quem está direto em contato com a coisa vai entender muito mais do que quem aprende apenas teorias. São conhecimentos diferentes, é claro, mas esses caras que coletam lixo pra sobreviver entendem que o trabalho deles é importante pra tal sustentabilidade, talvez não saibam em que ele resulta, pois o cara lá que é estudado que vai definir. Seria bem interessante que esses coletores tivessem mais chances de colaborar em projetos que poderiam gerar um futuro melhor pro planeta, com certeza eles saberiam perfeitamente como ajudar.
Outro fato é que tive um perfeito estudo de target com a fala do senhor sobre as emissoras. Acho que uma das ideias da Record é atingir o povão, aquele que tava esquecido pela Globo até o momento em que a classe C foi considerada a mais influente. Detalhe simples como o linguajar usado em um telejornal já faz com que o target se aproxime ou se afaste da emissora, e a Globo percebeu isso faz pouco tempo, onde até tentou e está tentando ser mais despojada mas parece que ainda não conseguiu tirar o padrão "certinho demais" de ser. Pra esse senhor achar a Globo pra milionários, é porque a mesma mantém um padrão elitista bem visível aos olhos de todos, basta observar seus artistas que são tratados como "os importantes e os melhores", quando na verdade tem muita gente ruim lá também e muita gente boa fora de lá mas que acabada não tendo as mesmas oportunidades e méritos que um global seja em uma revista de fofoca ou em qualquer outro lugar.
É nítido que vesti a camisa da onde trabalho quando agradeci ao senhor, mas foi de coração mesmo, foi algo espontâneo que surgiu quando ele disse que estávamos ali junto ao povo dele, que é um povo bem esquecido pelos políticos fora de campanha eleitoral, somos mais um apoio pra eles, de certa forma. 
E é claro que assisto Globo muito mais do que assisto a emissora onde trabalho e tenho que admirar o tanto que a Globo conseguiu influenciar na vida das pessoas pois assistir a Globo, pelo menos no meu caso, é uma pura questão de hábito cultural que vem desde que nasci.
Não quero comparar qual emissora é melhor e qual é a pior, queria apenas deixar registrado que por mais simples que o telespectador seja, ele percebe como está sendo tratado por uma emissora e hoje em dia, isso pode custar milhões.

Pra concluir: uma troca de palavras com um desconhecido pode sempre te ensinar muito mais do que horas de estudo.

2 comentários:

  1. Posts assim me deixam com orgulho de você, Giant. Dá pra ver que você vai chegar onde quer. =)

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  2. ownnntii, não canso de agradecer a vc pelo apoio sempre!

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Micontchi alguma coisa também ;)